sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Comportamento social no Japão: panorama sobre como se aprende, críticas ocidentais e a busca pelo equilíbrio

Você e todo o resto do mundo já percebeu que os japoneses são mestres em transmitir às suas gerações as suas habilidades sociais de cidadania. A criança, desde cedo, aprende a se comportar dentro de um coletivo, seja no grupo de famílias ou amigos, seja nas ruas da cidade. 
As pessoas, em sua maioria, se respeitam e respeitam as diversas e claras regras estabelecidas na sociedade.
Todo estrangeiro que chega no Japão fica extasiado com a funcionalidade e respeito às dinâmicas da cidade. As pessoas falam: "aqui tudo funciona".
Longe de querer escrever uma tese ou um longo debate sobre o assunto (pois mereceria), pretendo aqui trazer uma pequena noção sobre o tema que é de curiosidade para muitas pessoas, em especial, aquelas que tem filhos e que vão receber a influência dessa cultura.
Tomarei por base o diálogo e as experiências com as escolas de educação infantil japonesa, o livro "Educação Infantil em Três Culturas: Japão, China e Estados Unidos" de Joseph Jay Tobin, disponível na versão inglesa também e o livro "Bushido" de Inazo Nitobe.

Como a criança japonesa aprende noções de cidadania?

Vou abordar aqui 2 grandes fatores: a herança cultural e o currículo escolar.

- A herança cultural do "Bushido": o código de conduta e modo de vida dos samurais (a classe guerreira do Japão feudal ou bushi)

O Bushido foi formado e influenciado pelos conceitos do Budismo, Xintoísmo e Confucionismo. A combinação dessas doutrinas e religiões formaram o código de honra do guerreiro samurai, conhecido por Bushido, e vem transmitindo às gerações.
Em função das influências do Budismo e os ensinamentos Zen, os samurais buscavam entrar em harmonia com o seu Eu interior e com o mundo à sua volta. 
O Xintoísmo trouxe influências de valores como a lealdade, o patriotismo, e a reverência aos seus antepassados. Com tal lealdade para com a memória de seus ancestrais, os samurais empenham essa mesma reverência ao imperador e ao seu daimyo ou senhor feudal. E até hoje, continuam o forte respeito à hierarquia, aos mais velhos. 
O Xintoísmo também fornece a importância para o patriotismo com o seu país, o Japão. Eles crêem que a Terra não existe apenas para suprir as necessidades das pessoas. "É a residência sagrada dos deuses, dos espíritos de seus antepassados…" A Terra deve ser cuidada, protegida e alimentada por um Amor intenso.
O Confucionismo oferece ao Bushido a sua crença em relação aos seres humanos e às suas famílias. O Confucionismo ressalta o dever filial e as relações entre senhor e servo, pai e filho, marido e mulher, irmão mais velho e mais novo e entre amigos mais velhos e mais novos.
Junto com estas virtudes, o Bushido também prega a justiça, benevolência, coragem, amor, sinceridade, honestidade e autocontrole. A justiça é um dos principais fatores no código do samurai, assim como o amor e a benevolência, que são suntuosas virtudes dos samurais.
Esta herança cultural deste "código de cultura" contribui para a formação do inconsciente coletivo dos japoneses, fazendo-os viver e aprender desde cedo comportamentos pautados no respeito ao outro e no país, honestidade, justiça, respeito e obediência aos mais velhos, lealdade e harmonia. Todos valores que contribuem para o modo de ser cidadão e a dinâmica de funcionamento desta sociedade.

- A participação em um currículo escolar orientado para o grupo e para a sociedade

As características mais altamente valorizadas pelos professores de educação infantil, por exemplo, são: empatia, gentileza, consciência social, bondade, cooperativismo, obediência, entusiasmo, perseverança e receptividade. 
Em quase todas as escolas japonesas os alunos são estimulados a cooperarem com o grupo e a não buscar se destacar. Por exemplo, crianças e adolescentes usam uniforme e são proibidos de usar brincos e pintar cabelos.
As turmas normalmente são numerosas para aumentarem as interações e aprenderem a funcionar como membros de um grupo. 
Turmas costumam ter nomes e bandeiras, escolas os seus emblemas e uniformes os broches das bandeiras facilitando a identificação da criança a um grupo de pertença.
Realizam eventos esportivos anuais para também fortalecer os grupos. 
Crianças são chamadas pelo seu nome e pelo nome da turma ao qual pertence, de modo a sentir-se orgulhosa de seu grupo.
Os professores evitam estar prontamente disponíveis para as crianças para não tender a desencorajá-las a formar amizades e a reagir, primeiramente, uma com as outras.
Os alunos são convidados a ajudarem na organização e limpeza de suas salas. Revezam-se entre si para servir os colegas na hora das refeições. Cuidam e ajudam as crianças mais novas em situações especiais. Ou seja, são estimulados a cooperarem e a sentir-se co-responsável pelo bem estar coletivo.
As regras de convivência são claras e as punições cumpridas.
A humanidade de uma criança é realizada na sua capacidade de cooperar e sentir-se parte do grupo.
E finalmente, mais um exemplo, está na disciplina de Ensino Domestico no Ensino Fundamental que corresponde a atividades de educação financeira, culinária, gerência dos afazeres domésticos, etc. que dá ao aluno a oportunidade de reconhecer-se como co-participante de uma instituição doméstica, familiar, co-responsável pelos cuidados com sua casa e família.

Quais as maiores críticas sobre este modelo oriental?

Do ponto de vista ocidental, alguns estudiosos criticam o sistema educacional japonês por reprimirem a criatividade, a iniciativa e a individualidade, por ignorar as personalidades e necessidades individuais das crianças.
É comum ver escolas no Japão não sabendo direito lidar com o aluno diferente: seja com deficit cognitivo, seja com alto QI ou problemas emocionais. Imagina com estrangeiros?
Quando a família aceita um pedido de encaminhamento para avaliação (o que não é comum), geralmente a criança é encaminhada para uma "escola especial".
Não há psicopedagogos no país, nem a psicologia escolar. Algumas escolas possuem um profissional com cargo de Conselheiro.
É claro que já existem escolas buscando um equilíbrio, unindo valores ocidentais e aprimorando as suas práticas, garantindo a coletividade, mas também lidando melhor com as individualidades.

Um estranho no ninho

Sob esta perspectiva do grupismo japonês podemos refletir sobre a inserção de um brasileiro na escola japonesa. Ele é diferente, seja em aspectos físicos ou culturais/ comportamentais. 
Para ser integrado num grupo um aluno estrangeiro passará por momentos importantes de adaptação e enquadramento a algumas, senão muitas condições.
Professores e famílias precisam estar preparados e ajudar esta criança ou jovem, senão eles facilmente podem ser vítimas de exclusão, preconceito e isolamento.
É possível superar, encontrar um ponto de equilíbrio, mas é preciso estar atento, conhecer a realidade e dar suporte.

A busca pelo equilíbrio

Para finalizar o texto, estou certa de que este é um assunto complexo e que merece mais dados de discussão. A idéia foi apresentar um panorama geral, baseado em pesquisas e em observações, oferecendo dados para que cada família possa agir nesta realidade com um olhar mais apurado para o contexto cultural, descobrindo suas próprias estratégias para a busca do equilíbrio ideal para si.
Sabemos que tudo nesta vida tem os prós e contras a depender do contexto. Ao conhecê-lo melhor, temos mais habilidade para lidar com ele.
E, creio eu, que nós brasileiros temos muito o que aprender com os japoneses (e vice-versa) tendo o discernimento de descobrir o ponto de equilíbrio entre as duas culturas.

Gambatte kudasai.


Referências:


NITOBE, I. Bushido: the soul of japan. Disponível em <http://www.gutenberg.org/files/12096/12096-h/12096-h.htm> acesso em 17/10/2004
TOBIN, J.J. Educação Infantil em Três Culturas: Japão, China e Estados Unidos. São Paulo: Phorte, 2008













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