terça-feira, 18 de novembro de 2014

Uma "homeschooler" no Japão - Entrevista com Nilma Kina

Mãe de um casal de 4 e 6 anos, residente no arquipélago há 7 anos, professora formada em Educação Física no Brasil, Nilma tem uma profissão muito inspiradora: ela é mãe-educadora!
Durante anos de sua vida trabalhou formalmente em academias e escolas públicas e particulares. Depois que seus filhos nasceram a família optou por não terceirizar a educação infantil de seus filhos aqui no Japão e assumiram por completo a formação das crianças, optando livremente pelos conteúdos transmitidos e metodologias, de forma responsável. 
Nilma é mãe-educadora em período integral, planeja os projetos pedagógicos, aplica diariamente, avalia constantemente o desempenho dos filhos, registra de modo a não ter problemas legais no futuro e a garantir a aprendizagem das crianças.
A entrevista realizada mostra um pouco sobre sua história de homeschooler, os motivos por não matricular as crianças em escolas formais nos primeiros anos de idade, os projetos que desenvolve com eles, a metodologia utilizada, os desafios encontrados, as estratégias para ensinar a língua japonesa, algumas dicas sobre ensino doméstico em meio período para famílias que trabalham, cujos filhos vão à escola no Japão.
Conheça de perto esta experiência. Tenho certeza que abrirá uma série de oportunidades para qualificar o seu tempo com os seus filhos, mesmo sem você ser "homeschooler".
Ser pai e mãe é a tarefa mais importante deste mundo. Formar caráter, personalidade, inteligência, habilidade emocional... é uma prática que exige preparo para que o mundo possa ser habitado por seres humanos plenos em sua capacidade de conviver bem e em união!

Confira a entrevista:

1) Conte-nos sua história sobre como começou a ser homeschooler
Inicialmente meu desejo era estar mais próxima dos meus filhos, especialmente na primeira infância. Queria saber o que acontecia com eles e garantir que eles pudessem aprender no ritmo e tempo deles da forma mais agradável possível, já que tínhamos uma série de desafios a encarar numa escola no Japão. 
Particularmente eu não gosto do longo tempo em que crianças passam na escola neste país e tenho receio que meu filhos sofram com o bullying tão corriqueiro por aqui com estrangeiros, inclusive. Então escolhemos desenvolver projetos de educação infantil com eles, sendo nós pais, os responsáveis por abrir as janelas do mundo para eles.
Eu acredito que não existe pessoas melhores para educar e criar os seus filhos que os próprios pais. Por isso, optamos por eu não trabalhar e dedicar esforços para educar as crianças.
Nossa primeira atividade foi na Páscoa em 2010. A caçula tinha 1 mês e o pequeno com 1 ano e 7 meses. Foi tudo muito simples, mas foi nosso marco nesse estilo de vida. Montei uma cesta com livros, brinquedos educativos e escondi atrás dos bichos de pelúcia. Fiz umas pegadas de coelhos com farinha de trigo. Todos estávamos com orelhas, inclusive a pequena e finalizamos a atividade com uma pintura sobre o tema.
Sempre estimulei o mais velho porém, com a chegada da irmã, eu tinha a necessidade de encontrar uma maneira onde pudesse ser 100% para ambos. Então, comecei a planejar nossa rotina, onde a prioridade era sempre fazer algo em que a atenção fosse igual para os dois. Enquanto amamentava a menor, cantava ou contava uma história para o primogênito. Quando ela fez 2 meses, começamos nossa rotina do parque, enquanto ela tomava o sol da manhã, ele brincava .
A educação domiciliar permite respeitar o ritmo e interesse individual de cada um. A aprendizagem ocorre o tempo todo, tem um significado, às vezes é acidental (como por exemplo, acabamos estudando, o ciclo de vida das cigarras, por conviver, com elas no verão). 
Construímos diariamente laços familiares mais robustos e socializamos com pessoas de todas as idades. 

2) Quais os desafios em fazer Homeschooling no Japão?
Por ser o Homeschooling um movimento novo no Japão, não temos grupos de apoio de latinos (grupo formado por familias homeschooler, que se encontram frequentemente, trocam idéias, experiências, passeiam, convivem juntos). Porém isso não é motivo para desanimar, ou mesmo,  ¨pecar¨ no caminho escolhido. 

3) É possível ser Homeschooler em meio período?
Meu filho mais velho durante 1 ano foi para o youchien. Quando ele chegava, após tomar banho e lanchar, fazíamos atividades. Partindo do princípio que a família deve fazer parte da educação da criança, não deixando somente por conta da escola, penso que todas deveriam complementar o estudo em casa. 
Nós que moramos em outro país temos ainda o dever de ensinar a língua materna. Não sabemos ao certo o que acontecerá no futuro, podemos retornar ao país de origem. E mesmo que isso não ocorra, aprendizado nunca é demais, morar no Japão, ser fluente em japonês, português, ou quem sabe ainda uma terceira língua, só abre portas.

4) Neste caso, em meio período, ao seu ver, quais as disciplinas ou conteúdos que a família deve focar, já que a criança vai para a escola em um período?
Na minha opinião, o foco deve ser a alfabetização e a cultura do país de origem. Encontrar meios prazerosos onde aguce a curiosidade da criança. E para esse processo, não precisa ter formação específica, mas sim dedicação dos pais educadores. Conheço muitas famílias educadoras no Brasil, sem curso superior, e fazem um excelente trabalho com os filhos.

5) Você segue algum método didático?
Não seguimos especificamente nenhum método, mas muitos nos inspiram, e um deles é Montessori, onde o Ambiente Preparado é uma estratégia importante. É o local onde a criança desenvolve sua autonomia e compreende sua liberdade. O ambiente preparado é construído para a criança, atendendo às suas necessidades biológicas e psicológicas. Em ambientes preparados encontram-se mobília de tamanho adequado e materiais de desenvolvimento para a livre utilização da criança.

6) Seus filhos falam japonês? Como aprenderam? Ou como você está ensinando?
Ambos entendem, o mais velho fala e a menor fala palavras soltas. Aprendem convivendo com os japoneses. Vamos todos os dias ao parque, alguns dias na parte da manhã, outros na parte da tarde. Eles interagem com crianças de todas as idades, adolescentes e adultos (ficamos entre 1h~3hs no parque, diariamente).
2 vezes na semana fazem natação o que também tem contribuido para essa aprendizagem. 
Além do espanhol, o pai dialoga em japonês com eles e faz a leitura dos livros.  
Apesar de dar prioridade a vivência, também uso materiais, como flash cards, livros do Kumon (encontrados na Toys R Us, ou em qualquer livraria) para aumentar o vocabúlario. Temos alguns cartazes que deixo expostos pela casa, com figura e palavra (nome de frutas, animais, cores). 

7) Para as famílias que não querem ou não podem abrir mão da escola, quais as dicas que você dá para melhorar a qualidade do tempo em que pais e filhos estão juntos?
Posso dizer o que fazemos:
-Planejo atividades enriquecedoras que possam contribuir para o desenvolvimento das crianças;
-Pesquiso os pontos turísticos da região onde moramos. Vejo se é favorável para a idade deles (pesquiso na internet e folhetos que encontro nas prefeituras);
-Visitamos: Museu, aquário, zoo e exposições;
 -Participamos de todas as festividades possíveis da cultura japonesa;
-Vivemos intensamente as 4 estações do ano, as quais são super distintas aqui no arquipélago;
-Temos muitas tradições familiares (como a caça aos ovos no Domingo de Páscoa, ver filmes sobre datas comemorativas juntos, sair procurando por decoração de halloween e fotografando, tirar um dia inteiro para decorar a casa para o Natal, sair nas noites que antecedem o Natal para ver a iluminação das casas e ruas). Tudo isso são momentos que fazemos desde o primeiro ano que temos filhos e hoje a cobrança por essas tradições já partem deles.
- Fazemos atividades simples juntos, sem custo, como: ler, cozinhar, brincar no parque, andar de bicicleta, até mesmo um ofurô com uma conversa afetiva é uma ótima opção. 
Não tem segredo, a infância é muito curta e não podemos desperdiçar esses momentos que jamais voltarão.

8) Como você gostaria de encerrar está conversa?
Para finalizar compartilho um trecho do livro Aprendendo o Tempo Todo - John Holt:
"As crianças aprendem tudo que vêem ou experimentam. Aprendem em qualquer lugar que estejam, não apenas em lugares especialmente feitos para aprender. Aprendem muito mais com as coisas, naturais e artificiais, que são reais e existem no mundo, do que com as coisas feitas especialmente para que as crianças possam aprender com elas. 
Em outra palavras, crianças estão mais interessadas nos objetos e ferramentas que usamos em nossa vida cotidiana do que em quase todos os materiais especialmente feitos para a aprendizagem. 
Podemos auxiliar melhor a aprendizagem das crianças se trabalharmos tanto quanto possível para tornar o mundo acessível a elas. Isso ajudará mais do que se ficarmos decidindo o que achamos que devam aprender e pensando em modos engenhosos de lhes ensinar tais conteúdos. 
Será melhor se prestarmos seriamente atenção no que elas fazem; se respondermos a suas questões, quando as tiverem; e se as ajudarmos a entender as coisas nas quais estão interessadas. 
Os modos pelos quais podemos fazer isso são simples e facilmente compreensíveis pelos pais e por outras pessoas que gostem de crianças e que assumam a tarefa de prestar atenção no que elas fazem  e de pensar no que querem significar com suas ações. Em resumo, o que precisamos saber para ajudar as crianças a aprender não é obscuro, nem técnico, nem complicado. E os materiais de que precisamos para ajudá las repousam, prontos e à mão, a nossa volta."

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