sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Sim, é possível e eu te conto detalhes do processo de inclusão do meu filho na escola japonesa

Integração e inclusão são processos diferentes. Enquanto o primeiro diz respeito ao esforço pessoal de adaptação, fruto de uma moldagem a um sistema, o segundo, a inclusão, diz respeito a um processo coletivo de mudanças e adaptações para aceitar e favorecer o desenvolvimento das pessoas, respeitando suas singularidades.

Para apresentar esta diferença e também compartilhar experiências registrei aqui como foi o processo de inclusão do meu filho na escola japonesa, mais especificamente numa escola de educação infantil (Yuchien).

Certa de que não existem respostas corretas e únicas, a intenção é fazer trocas de práticas de sucesso para inspirar mais famílias a ajudarem a inclusão escolar no Japão, além de mostrar que existem escolas por aqui que são capazes de ajudar os estrangeiros. Vejam lá:

QUANDO TUDO COMEÇOU

Quando chegamos no Japão meu filho tinha 2 anos de idade.

Aos 3 anos, ele começou a se interessar em brincar com outras crianças nos parques em que íamos diariamente. Mas os primeiros grandes desafios do idioma e cultura apareceram: sem saber falar japonês e tendo seu aspecto físico diferente da população local nenhuma criança queria brincar com ele, nenhuma mãe estimulava algum filho a aceitá-lo na brincadeira e alguns ainda se afastavam discretamente quando nos aproximávamos na tentativa de brincarmos juntos.

Racionalmente eu compreendia a situação: eles também têm medo do diferente, não sabem se comunicar conosco, além de não serem – em sua maioria – estimulados a conviver com a diversidade.

Compreensível, mas meu coração “rasgava” cada vez que ele, tão pequeno, dizia “mamãe, ninguém quer brincar comigo”.

Isso não estava certo, humanamente falando.

Era hora de agir. Não dava para esperar algum japonês me ajudar…

O COMEÇO DA AÇÃO

Entendi que estava no momento de buscar um local para ele brincar, aprender o idioma e um pouco da cultura japonesa para poder fazer parte de uma comunidade. Era isso que ele precisava e me pedia por traz do seu pedido na fala de uma criança de 3 anos: “mamãe quero brincar com outras crianças”.

Era hora de sair do ambiente familiar e explorar o mundo.

Era hora de nós dois sairmos do casulo e enfrentarmos o país.

Como eu não falava japonês fui em busca de espaços com esta finalidade, com mediadores. Achei que as escolas e os professores poderiam ser os meus primeiros ajudantes neste processo.

A BUSCA PELA ESCOLA CERTA

Escola perfeita não existe, mas existe uma escola ideal para cada perfil de família e criança. E isto depende das expectativas e necessidades de cada um.

Eu fui atrás de uma escola que pudesse dar atenção para as particularidades do meu filho e nos encarasse como seres humanos e não “alienígenas”!

Pesquisei na prefeitura os melhores Yuchiens (jardins de infância) perto da minha casa. Visitei 5 deles e fiz várias perguntas aos professores em todas as visitas.

Perguntas do tipo: como foi ou é a experiência da escola com estrangeiros? E com crianças surdas e mudas? Meu filho é “surdo e mudo” para o idioma japonês. Como vocês o ajudariam a entender, se comunicar e a se relacionar?

Além disso, vivenciamos algumas atividades recreacionais para não-alunos oferecidas por estas escolas e observei a desenvoltura e segurança das professoras com meu filho que respondia em português e se comportava diferente das outras crianças.

Das 5 escolas que visitei, 4 mostraram-se tensas com a nossa presença. Apesar do discurso de que se esforçariam ao máximo para nos ajudar, essas 4 não fizeram nada além do que o atendimento padrão voltado a todas as crianças japonesas, além de olhar para a gente com ar de tensão como se fossemos “alienígenas”!

O meu coração não estava confortável. Até que visitamos a 5a escola.

CHECAGEM E ENTROSAMENTO: O INÍCIO DO PROCESSO INCLUSIVO

Escolhemos uma escola pequena, com cerca de 50 alunos e uma média de 12 crianças por turma. E com 4 anos ele ingressou nessa escola.

Além do tamanho, o que nos cativou foi a tranquilidade, segurança e alegria com que fomos recebidos. A comunicação via gestos e dramatização era espontâneo. E isso se provou em todas as visitas que fizemos.

Dicionários português/japonês e frases básicas de cumprimentos em português foram expostas na sala onde os “não-alunos” se reuniam quinzenalmente com as mães e professores para atividades recreativas, antes de se matricularem.

Estas foram as ações espontâneas da escola para nos ajudar e incluir. Bingo! Fechamos com ela o contrato de dividir esforços na formação do meu filho!

AULAS INICIADAS, ESCOLA, COMUNIDADE ESCOLAR E FAMÍLIA COMPROMISSADAS COM A INCLUSÃO 

Optei por uma relação de transparência com a escola. Não hesitei em buscar auxílio de profissional de tradução para estar comigo em todas as reuniões.

Expus minhas dificuldades, medos e inseguranças. Pedi ajuda e fiquei disponível para ajudar.

Desenvolvemos uma empatia, de forma com que o compromisso para incluí-lo passou a ser de ambas as partes, não só da escola.

Veja o que a escola fez:

– Colou mapa e bandeirinhas do Brasil na sala de aula da turma do meu filho;

– Colou alguns cartazes com frases e palavras em português com figuras assimilativas para que meu filho pudesse mostrar o que precisa, se os gestos não ajudassem (Por exemplo: partes do corpo para mostrar alguma dor e a professora poder repetir e checar em português);

– Comprou para a professora um dicionário eletrônico;

– Pediu ajuda das famílias em reunião escolar e ainda mais, definiu líderes entre as mães, para serem responsáveis por nos ajudar (especialmente mães que falam inglês);

– Aceitou, inicialmente, um processo de adaptação à comida da escola. Alguns dias o “obento” era feito com a minha comida (típica brasileira) e suco e outras a comida da escola. Aos poucos começamos a mesclar com a comida japonesa e chá, até ele se adequar às refeições da escola. A própria convivência com os colegas o incentivou no processo;

– Filmou meu filho em algumas atividades (nos primeiros meses de aula) para me darem segurança de que ele estava se divertindo na escola.

Eu fiz:

– Dei de presente um livro sobre crianças brasileiras para as mães verem com as crianças e entenderem um pouco do nosso universo e de onde viemos;

– Organizei um churrasco (dividindo os custos entre a turma) para que eles experimentassem nossa culinária;

– Participei dos bazares escolares vendendo produtos brasileiros à preço de custo somente para levar nossa cultura àquela comunidade;

– Pedi apoio e agradeci às mães, em todas  as reuniões, por nos ajudar e estimular os filhos a ajudar o meu filho;

– Eu e meu marido ajudamos nosso filho a aprender japonês fora da escola também, formalizando os conhecimentos;

– Fiz curso de japonês para poder ajudá-lo e ainda mostrá-lo que estávamos no mesmo movimento;

– A cada regressão do meu filho (vontade de não ir à escola, sintomas de solidão e medo) eu marcava uma reunião com a professora que compreendendo melhor seus sentimentos buscava estratégias em aula para inclui-lo e se fazer entendido pelos colegas;

ALGUMAS LIÇÕES

As ações com as famílias feitas pela escola foram importantes, uma vez que geralmente as japonesas levam muita à sério os compromissos firmados em público. Era quase uma obrigação nos ajudar!

As trocas culturais foram necessárias para tornar o “diferente” habitual, “normal”. Assim, o respeito à diversidade foi conquistado à medida que as diferenças foram compreendidas e conhecidas.

Aprender o idioma junto com meu filho foi essencial para que ele mantivesse a motivação por enfrentar seus desafios, ente eles a solidão na escola e as frustrações pelas inúmeras tentativas com insucesso de tentar brincar junto sem conseguir falar e entender. Ele entendia que não estava sozinho nesta luta e tinha a mim e a seu pai como companheiros na aprendizagem de fatores para viver melhor no Japão.

Inclusão não é feita só por uma parte: pais, escola e comunidade precisam estar firmes no propósito e agindo em parceria.

CONCLUSÃO

Estou certa de que o processo de inclusão não está acabado. O respeito à diversidade são desafios diários para um estrangeiro no Japão, seja na escola, no trabalho ou em qualquer lugar. Aliás, em muitos lugares do mundo!

Contei uma experiência de uma escola infantil japonesa, espero um dia contar outra semelhante da escola fundamental, cujos desafios sabemos que são outros!

Como eu já disse, não há receitas padrão para que ocorra a inclusão, mas com exemplos diferentes a gente pode somar esforços e conhecimentos para ajudar os brasileirinhos nas escolas japonesa.


*Postagem feita em 14/8/2015 na coluna Rachel Matos nos ite da IPC Digital.
Acesso em: http://www.ipcdigital.com/colunistas/rachel-matos/sim-e-possivel-e-eu-te-conto-detalhes-do-processo-de-inclusao-do-meu-filho-na-escola-japonesa/

Nenhum comentário:

Postar um comentário