Sentados num banco de um dos parques de uma cidade japonesa, o filho, ainda vestido com uniforme, chapéu e mochila nas costas e a mãe, cansada depois de uma jornada de trabalho, olham para os corvos voando de árvore em árvore, em silêncio.
O pequeno garoto ainda imaturo para compreender suas emoções e a mãe preocupada com os problemas do marido não trocam uma palavra… Mas suas almas seriam capazes de falar entre si e tudo começaria assim:
Filho: Mãe, por que tudo tem que ser tão difícil para mim?
Mãe: Difícil? Você só estuda e brinca e ainda tem todas as possibilidades de vida que eu e seu pai não tivemos no Brasil. Porque você acha que é tão difícil?
Filho: Você acha que vou à escola e só porque tento cumprir o que é me mandado fazer, acha que sou feliz? Nem tudo e fácil. Eu não tenho amigos, por exemplo. Vivo em volta de um bando de crianças que me olham e riem de mim. Alguns tem mais paciência, mas outros vão logo me deixando sozinho nas primeiras tentativas de frases em japonês que eu tento dizer.
Mãe: Já estão te fazendo este tal de bullying?
Filho: Não mãe. Ninguém encostou em mim ou me xingou. Mas os olhares deles dizem tudo: eles reprovam meu jeito de vestir, reprovam meu jeito de falar, meu jeito de sorrir… Quando eu erro em algum comportamento e não sigo alguma regra tem muito engraçadinho que tira onda comigo e mais a professora que logo me manda fazer o que ela quer, nem mesmo me explicando onde foi que eu errei. Sem contar quando eu não levo algo de casa que foi pedido, porque você não conseguiu ler e entender o informativo…
Tentando acalentar o filho a mãe diz: Isso é normal, meu filho. Você ainda tem que aprender a conviver com os japoneses. Com o tempo vai aprender a falar e a se comportar como eles. E eu… eu ainda não falo japonês também. No meu dia-a-dia eu não preciso muito do idioma e da escrita, então eu acho que não tenho tanta necessidade de aprender como você…
O filho persiste: Mas mãe… por que ninguém faz um mínimo de esforço para se adaptar a mim? Por que ninguém se esforça para me aceitar e gostar de quem eu sou e da forma como eu faço as coisas? Porque eu sou o único que não tenho meus pais para me ajudarem? Você também sempre dizia que “ser diferente é legal”! Que “temos que respeitar e incluir os diferentes”! Quer dizer que agora eu tenho que mudar o que sou para ser aceito por eles? Isso não é respeito, nem mesmo inclusão!
Um pouco engasgada e com discurso conformista, a mãe fala: Você tem razão, mas aqui é assim e eu e seu pai também passamos por momentos difíceis de adaptação.
A mãe, sem saída, questiona o filho: O que você acha que deveríamos fazer?
O filho respira fundo e faz uma das reflexões mais maduras que ele já fez em seu pequeno tempo de vida:Mamãe, nós precisamos mostrar para o pessoal da escola o nosso valor. Eles precisam conhecer nosso país, nossos costumes… precisamos ajudá-los a gostar da gente e das nossas diferenças, já que eles não aprenderam e ninguém está ensinando a fazer isso. Podemos começar por nós mesmos!
Mãe: Mas como? O que devíamos fazer?
Filho: Pensa mãe, pensa.
O filho começa a se empolgar: Precisamos, mamãe, fazer os professores entenderem que temos uma história de vida e considerar nossos conhecimentos na rotina da escola e dos colegas, sem ferir muito quem a gente é e ainda valorizando o que já temos.
Mãe: Mas como, filho?
Filho: Pensa, mãe, pensa. E também podíamos, nós dois, estudarmos o japonês em algum horário depois da escola. Assim você me ajudaria e a gente entenderia melhor o mundo deles.
Mãe: Mas como filho? Onde? Quanto isso nos custaria?
Filho: Pensa, mãe, pensa. E também, mãe, podíamos ter mais tempos juntos para brincar, eu você e papai…. assim, eu não me sentiria tão sozinho neste mundo assustador e diferente de mim…
Mãe: Mais tempo ainda? Como assim? Fazendo o que?
Filho: Pensa mãe, pensa…
Mas aí, o som de uma criança correndo na frente deles os despertou deste ensaio e o diálogo silencioso entre eles foi rompido.
Sem entender muito bem o que se passava, mãe e filho levantaram do banco em novo estado de espírito, um novo ânimo e algumas possibilidades para superarem os desafios diários de uma família migrante: estudar juntos, fazer trocas culturais com a comunidade, discutir com professores alternativas de inclusão e passar mais tempo de qualidade em família.
Mas como?
PENSA MÃE, PENSA PAI…
Este é um texto de ficção e retrata algumas angústias e reflexões de muitas famílias em seus primeiros anos morando no Japão, especialmente se tem filhos.
Escutar as mensagens do coração dos filhos ajuda os pais a tomarem as melhores decisões para ajudá-los. Isto é empatia e precisamos exercitar mais para aprimorarmos nossas missões de pais e mães, especialmente nesta difícil jornada de adaptação durante uma migração.
*Texto da minha coluna no IPC Digital em 1/8/15.
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